terça-feira, 2 de outubro de 2012

Eternos Minutos



Adelaide levantou-se essa manhã como faz todos os dias. Espreguiçou-se. Esticou as pernas. Deitou novamente e relaxou. Com os olhos fechados tentou raciocinar sobre o que aconteceu na noite anterior. Torcia para que tudo tivesse sido um mero pesadelo. Mas não era o que diziam seus braços, arranhados pela escuridão que se passou. Enjoada do procedimento, sorriu para a lâmpada apagada de seu quarto. Desejava não estar ali. Após alguns longos eternos minutos, resolveu ficar de pé e fazer suas atividades diárias e obrigatórias.
O dia não contava com nada que pudesse torná-lo especial. O céu estava nublado e era possível sentir o cheiro do vapor. Certamente iria chover. Adelaide não entendia porque aquele dia não poderia passar rápido, como qualquer outro. Até os segundos pareciam eternos. Em meio ao seu desespero interno ela gritava, se debatia e chorava enquanto preparava o café, calmamente. Fitava o açúcar contido na colher como se fosse um espelho, tentava enxergar a si mesmo. Em vão.
Porém não adiantava, procurava por si mesma enquanto bebia freneticamente aquela xícara de café. E não se encontrava. Talvez estivesse perdida na noite anterior, em meio de pessoas desprovidas de sentimentos. Naquela noite, ninguém sabia o que eram “sentimentos”. Enquanto deliciava-se com o último gole daquele café, Adelaide sabia que era preciso reunir-se e consertar-se.
Todavia não existiam pedaços de si somente na noite passada, existiam outras tantas “noites passadas”. Para procurar-se era necessário vestir-se e sair à luta. Porém nenhuma roupa que colocava era possível se auto identificar. Quem era aquela mulher? Adelaide não se lembrava de ter se transformado em uma, apenas observava assustada.
Tentou sorrir, mas aquele sorriso não lhe era familiar, assim como as olheiras e os cabelos tingidos. Suas pernas estavam transparentes, qual terá sido a última vez que tomara sol? Ficou imóvel em frente aquele reflexo por três minutos. Três eternos minutos.  Quando conseguiu desviar o olhar daquela imagem, sentiu-se aliviada. Era como se pudesse finalmente respirar após quase se afogar em seu próprio tormento. Seus batimentos estavam acelerados, talvez pela sensação de quase morte que aquela experiência lhe proporcionou.
Sentou-se. E de costas para o espelho, escovava os cabelos. Quase como uma terapia, passava lentamente a escova, enquanto seus lábios sorriam involuntariamente e seus olhos nada miravam, estavam fechados, olhando para dentro de si. Adelaide desejou no seu íntimo, que aquele momento fosse eterno. Mas não passava de uma utopia de sua mente, passar seus eternos minutos escovando seus longos cabelos.
E se arrumando para mais um dia, praticamente com os olhos fechados, se sentia bem. Talvez tivesse encontrado alguma parte de si durante os eternos minutos que passaram, mas isso não lhe era mais prioridade. Precisou abrir os olhos. E novamente em frente ao espelho, precisava de foco. 
Sentiu-se perdida novamente, mas logo abriu o estojo que estava cuidadosamente fechado e arrumado em sua penteadeira. Pegou o seu batom vermelho. Com muita atenção, passava-o lentamente em seus lábios, como se fosse giz de cera. Quando terminou, sorriu involuntariamente como de costume. Fitando a imagem, ficou feliz por encontrar uma parte de si. Todavia, não era nenhuma das partes dentro de si, era apenas uma parte de fora. Olhando quase que hipnotizada para sua própria imagem, cessou as buscas em seu fragilizado interior.
Arrumou sua bolsa, e olhando mais uma vez para o espelho, por alguns eternos minutos, sentiu-se feliz por ser única. Desceu as escadas de seu apartamento, atrás de algumas pessoas. Cada qual em sua própria individualidade. Desciam alguns atrás de Adelaide, todos em uma fila organizada. Todos pareciam fazer o máximo de esforço para não se tocarem, afinal se sentiam únicos.
Ao sair de seu prédio determinada, Adelaide sorria involuntariamente ao participar de uma fila para atravessar a rua. Como sempre, todos únicos. Não se tocavam e não se olhavam. Ela, por sua vez, não queria olhar para dentro de si, então observava atentamente seus sapatos enquanto esperava um ônibus.
(...)

E durante muitos eternos minutos, o seu dia estava chegando ao fim. Cansada, tentava retornar à sua casa. Pegou um cigarro e gentilmente o colocou em sua boca. Enfim, sentia-se aquecida. Não era mais única. Fincava as unhas nos seus braços, para que seus eternos minutos passassem o mais rápido possível e estivesse segura em seu lar de concreto.
Adelaide deparou-se com outras “adelaides” dentro do ônibus. Queria ser única. E desesperadamente reiniciou sua busca por partes de si, dentro de si. Desceu do ônibus. Todos andavam em filas. Sem se tocarem e sem se olharem, Adelaide se torturava ao notar partes de si, espalhadas em pessoas que jamais viu. Em fila, subiu para seu apartamento.
Seus olhos protestavam com lágrimas, logo correu para encarar-se no espelho. Não se reconheceu. Tirou o batom vermelho e suas roupas. Encarava-se por alguns eternos minutos. Estava aliviada por se encontrar. Seu corpo também protestava, suas pernas dirigiam-se à cama sem que Adelaide precisasse ordenar. Deitou-se.
(...)
Finalmente era um novo dia, então Adelaide fez nessa manhã, exatamente o que fazia todas as manhãs. Espreguiçou-se. Esticou as pernas. Deitou novamente, relaxou. Com os olhos fechados tentou raciocinar sobre o que aconteceu na noite anterior. Torcia para que tudo tivesse sido um mero pesadelo...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Desabafo






Seja feliz e me esqueça, para que eu possa ter a oportunidade de te esquecer também. É difícil ver como tudo isso chegou a esse ponto, mas é fácil ver as conseqüências, elas são fixas, e o tempo vai tratar de curá-las, ou amenizá-las. Afinal ilusões são assim, chama-se e não se obtém resposta, estima-se em jogar tudo paro o alto e ir contra suas próprias palavras sendo que no fundo sabe-se que não vai valer à pena e só irá pisar em cacos de vidro mais uma vez.
Tem pessoas que dizem que isso é normal, que ao apaixonar-se sempre terá obstáculos, sempre terá fases difíceis, sempre aparecerão barreiras, sempre. Porém não adianta vencer esses problemas e ‘inventar’ problemas insolúveis, assim não adianta nada.
Aprendi que no final tudo pode dar certo se ambas as pessoas assim o quiserem, e estiverem atrás do mesmo objetivo.
Isso significa que se alguém procura por um companheiro sincero para que possa contar com este para tudo, fica difícil se esse companheiro apenas quiser enfeitar sua vida com momentos e frases bonitas (cute, não?), esquecendo o principal, o sentimento.

E o que seria sentimento (vulgo sensibilidade, consciência íntima)? Bom, cada pessoa tem sua interpretação para isso, também porque é uma coisa muito pessoal (reprisando, consciência íntima). Tão pessoal que não aconselho ninguém a brincar com os sentimentos dos outros, no entanto, existem pessoas das mais diversas categorias. E nessa diversidade, há aquelas que amam sugar esse sentimento e outras que amam investir sentimento. Infelizmente eu sou do grupo que ama investir
mas não me envergonho disso, então posso dizer que todas as minhas palavras direcionadas para quem amo, são verdadeiras. Afinal não quero ver ninguém, do qual prezo esse sentimento, sofrendo.
Podem parecer estúpidas essas palavras escritas aqui, mas o importante é que elas me consolam da dor que você me deixou. Mas prometo a mim mesma, não passar por isso de novo, pois apesar de tudo eu não consigo sentir raiva de ti (você deve saber disso, no mínimo).
E acredito que um dia vou acordar e não pensar mais nisso, e quando me lembrar do passado, não vou mais chorar, e sim rir dessas experiências que tive. Até lá não sei como esquecer se tudo me lembra você, mas acredito que consigo. Afinal quem ama também tem a capacidade de esquecer, e é isso que vou fazer. E apesar das tentativas fracassadas, vai dar certo daqui para frente e tudo vai se resolver. Você sairá desse coração e essas feridas nunca mais mencionarão o teu nome.

sábado, 17 de julho de 2010


Adelaide e a Rua

Adelaide olhava da janela, da triste rua em que morava, pessoas que iam e vinham de lugares desconhecidos. Pessoas que vinham de todas as direções e sentidos. Uma expressão sutilmente curiosa e exploradora tomava conta de seu rosto perdido naquela rua, onde pessoas o pisavam sem pena, mas ela parecia sentir prazer e tolerância pelas diversas marcas de sapatos evidentemente esculpidas em seu rosto. Apoiou seu braço frágil com o cotovelo na janela, com os dedos acariciava o queixo, olhava mais fixamente aquelas pessoas.

Talvez pessoas com penteados diferentes, sapatos diferentes, jeitos de andar diferentes, camisas diferentes, cores de pele diferentes. Adelaide não tinha certeza de quantas e quais eram essas diferenças, porém sabia que elas existiam, a única coisa que ela poderia afirmar com certeza era uma semelhança indiscutível, que ela por horas ali observava curiosa e mediocremente.

A única incoerência que não tornava aquelas pessoas que ali passavam puramente distintas era um rosto triste, faltava ali algum sorriso, alguma alegria. Todas estavam sutilmente sérias, como se sofressem de alguma mal que não podiam ver. Adelaide se debruçava na janela quanto passou a pensar sobre isso.

Lembrou-se de fatos, memórias, borrões de um passado não muito distante, isso lhe feriu violentamente o peito. Logo sua feição curiosa e exploradora virou tormento. Suplicava pelas lágrimas, porém essas não atendiam seu pedido. Sentiu uma enorme vontade de jogar-se daquela janela, que ocupava o quinto andar de um prédio, mas calculou que sobreviveria a queda. Passou a morder os lábios impacientemente, até que eles reclamassem e passassem a sangrar em protesto.

Inutilmente fechou os olhos, mas até quando tentava se afogar na própria amargura, podia ver aquelas pessoas tão pálidas centradas em pisar em seu rosto perdido naquela rua. Porém, não lhe dava mais prazer essa sensação, agora causava repulsa. Precisava respirar, abriu os olhos. Riu.

Pensou no real motivo que a fizera rir. Procurou no profundo das suas entranhas, fechou novamente os olhos. Remexia nos cacos de vidro de seu passado procurando uma resposta, ria, seu rosto estava divinamente e assustadoramente singelo. Quando tentava juntar os cacos de vidro, a dor consumia seu peito cruelmente. Quanto mais procurava, mais se perdia nos borrões de seu passado. Um pequeno sorriso lhe visitou o rosto, logo, em metamorfose, tornou-se um sorriso largamente impiedoso e alegre. Quando abriu os olhos para encarar a rua, seu olhar não desmentia o desequilíbrio de seu sorriso.

Agora se divertia enquanto remexia suas entranhas, não mais em busca da resposta, mas em busca do prazer que aquela dor avassaladora lhe proporcionava, seu físico parecia perfeitamente alegre, mas somente ela tinha noção da guerra destruidora que existia dentro de si. Aquelas pessoas podiam pisar no seu rosto enquanto passavam por aquela rua, porém Adelaide ria um riso supérfluo. Saiu da janela para se arrumar em frente o espelho.

Arrumou o cabelo enquanto fitava seu sorriso estampado, tentou ficar séria, mas seu sorriso era involuntário, parecia ter sido costurado e não mais sairia dali. Passou seu batom, ajeitou sua roupa, tudo enquanto abraçava dentro de si aquela angústia. Pegou sua bolsa, tirou dois comprimidos em cápsula, engoliu-os sem o auxílio de água, como era de costume, abriu a porta de seu apartamento e saiu.

Em meio a dor de seus pensamentos e a vulgaridade de seu sorriso, Adelaide lembra o que observava na janela, com seu sorriso era a vez dela de pisar no rosto de alguém que supostamente estaria observando aquela rua, naquele momento.

sábado, 10 de julho de 2010

Momentos



Em todos os momentos,
Pensamos como seria,

O que deveríamos ter feito,

E a razão de tudo ser assim.

Em todos os momentos,
Eu penso no porquê,
Penso no motivo do vento
Tocar suavemente a minha janela.
Penso como seria se ele não a tocasse.
Porém se o vento não a tocasse,
Essa não seria uma janela,
Pois não desempenharia a função de uma janela, oras!
Seria algo inútil.
Além disso, minha janela gosta do vento!
Ah sim, se ela não gostasse, acredito que ela sairia dali,
Ou pelo menos não seria uma janela.
Uma janela enfrenta tudo, a minha suporta a chuva,
o sol, o granizo e isso quando chove granizo!
(Faz um bom tempo em que não vejo cair pedras do céu.)
A janela não só suporta,
Acolhe também,
Ela acolhe a primeira alegria da manhã,
E a coloca para dentro de si,
Como se a respirasse, e a transmite rapidamente para quem ela diz proteger.
A janela tem sentimentos,
Pelo menos a minha tem!
Vocês precisam ver como ela se alegra quando a abrem num dia de sol!
É aí, o seu merecido descanso.
Mas a janela é solitária também,
A porta não lhe dá atenção...
Por isso a janela enterra!
É quando a sua tristeza está transbordando,
Não culpo a porta; culpo o pedreiro!
Ou até mesmo o arquiteto, o engenheiro!
Todos deveriam saber, que
A janela precisa da porta, e a
Porta da janela,
Noto isso, pois minha porta chora.
Em silêncio.
Quando o vento a toca,
Pois ela sabe que o vento toca a janela,
E se sente a única que não a toca.
E a janela sente o mesmo.
De tão triste minha janela diz que não vai mais se abrir,
Minha porta diz que não irá deixar ninguém entrar.
Mas chega a manhã.
A manhã é sempre alegre, por que será?
Ela tem o Sol, as nuvens, aquela cor admirável.
Então minha janela não se importa mais, ela até acha graça,
Ao ver todos dançando pra ela.
Talvez tenha que ser assim,
A janela deva ser sozinha, ora triste, ora alegre, e a porta, na maioria das vezes, triste.
E a manhã sempre alegre, com o vento tocando a todos, sem direção.